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O ensaio

INTRODUÇÃO

É sabido que para um verdadeiro Grupo de Folclore o primeiro objetivo é a pesquisa e recolha das tradições populares da região onde o grupo está inserido. Como segundo objetivo a preservação e divulgação dessas mesmas tradições.

Em face disto, o grupo organiza-se e estabelece as suas linhas de acção, os seus métodos de trabalho, para que os objetivos atrás descritos sejam concretizados e também a manutenção do grupo seja uma realidade.

Dentro da estrutura de uma associação, neste caso que se dedica ao folclore, existem várias reuniões: a reunião de todos os sócios que é a Assembleia Geral, a reunião do Conselho Fiscal, mas na minha opinião a reunião da Direção e o Ensaio são as mais importantes.

Na reunião de direção são motivo de debate todos os pontos que dizem respeito à vida da associação em termos de atividade. O Ensaio, o tema principal deste trabalho, é o encontro semanal de todos os elementos que compõem o grupo folclórico, não só para dançar e cantar, mas também para aprender, debaterem questões mas, sobretudo para conviverem.

O QUE É UM ENSAIO? PARA QUE SERVE?

Para muitos o ensaio de um grupo de folclore é um espaço de tempo, normalmente entre duas a três horas por semana, em que um grupo de pessoas se junta para cantar e dançar aquilo que o ensaiador lhes ensina.

Para mim este conceito de ensaio está errado. O ensaio não só serve para dançar e cantar, mas também deve assumir o verdadeiro papel de uma aula de folclore.

É num ensaio que se deve processar todo um programa de sensibilização e formação dos componentes, para que eles possam de alguma forma compreender melhor as razões da sua presença no grupo.

Tudo o que está num Grupo de Folclore deve ter sido objeto de pesquiza e recolha, desde as danças aos trajes, passando pelos cantares, instrumentos musicais tradicionais, instrumentos agrícolas, entre outros. Todos estes aspetos devem ser alvo de uma explicação cuidada aos componentes, para que eles possam entender as razões de determinada dança, o porquê de determinado trajo, porque é que se utilizam na tocata instrumentos musicais tradicionais usados na região. Resumindo, porque dançam, porque cantam e ainda porque trajam.

Sabemos que todo este programa de sensibilização e formação dos componentes é muito importante, porque depois de eles estarem bem por dentro dos verdadeiros motivos da existência de um grupo de folclore, é muito mais fácil a uma direção fazer chegar, através deles, á comunidade  onde o Grupo está inserido esse mesmo programa.

As razões da realização dos ensaios, são em regra geral, aqueles que conduzem a uma boa preparação do grupo para atuações futuras, quer a nível de dança, quer a nível dos cantares ou até mesmo a nível musical.

Mas, não é só preciso saber-se dançar, cantar ou executar a parte musical muito bem, é necessário também que os componentes saibam estar em cima do palco, saibam ocupar o seu lugar e executar as suas funções, quer sejam elementos do corpo de dança, quer sejam figurantes, pertencentes á tocata ou ao coro. É nos ensaios que eles são preparados para tal. O ensaio serve também para a formação de novos componentes, para uma melhor coordenação, interligação e conhecimentos dos pares, para a correção de pequenos defeitos ou incorreções na execução dos motivos a ensaiar.

Somos humildes, porque somos do povo, ele que soube, à sua maneira ter respeito, quer pelas suas coisas, quer pelos seus semelhantes. É assim, humildes como o povo que representam, que os componentes se devem comportar durante a realização do ensaio, aceitando as críticas da mesma maneira como aceitariam os aplausos, isto é, de bom grado. Devem colocar as suas questões de maneira correta e simples, para que elas sejam facilmente respondidas e resolvidas.

A maturidade de um Grupo de Folclore não surge de forma gratuita. Ela será fruto da experiência, da estabilidade, da idade, do muito trabalho produzido nos ensaios, do número e qualidade das atuações. Enfim, como diria o nosso povo, do “calo” dos seus componentes.

Os objetivos de um grupo de folclore são, por certo a pesquiza, recolha, estudo, preservação e divulgação do património da sua região nos seus mais diversos aspetos. Para atingir estes objetivos, é de capital importância, como atrás já referi, que todos os componentes estejam sensibilizados para tal e que conheçam profundamente esses objetivos e que concordem com eles, pois caso contrário não participam ativamente.

Como vivemos numa sociedade fortemente marcada pela mudança, de vez em quando é importante uma reflecção sobre os objetivos. Nesse sentido, o ensaio pode ser só uma reunião informal, onde se possam debater os objetivos, as questões internas ou outros assuntos de interesse. É fundamental, e em regra geral, conduz a um reforço da motivação das pessoas. Não nos esqueçamos que as pessoas participam ativamente nos grupos quando neles encontram satisfação.

O grupo de folclore é para os componentes como que uma segunda família, pois é aí  que eles passam uma boa parte do seu tempo. Desta forma uma direção tem que por vezes assumir o papel de pais ou de familiares desses mesmos componentes.

Não se pense que os pais dos componentes serão substituídos pela direção do grupo na sua função de ministrar uma boa educação. Mas é importante que, quer nos ensaios, quer nas deslocações essa mesma direção saiba estar, compreender ou até mesmo ajudar na resolução dos problemas que os componentes possam enfrentar no seu dia a dia. Uma direção deve ser solidária com eles nos seus momentos de tristeza, como também deve participar nos seus momentos de alegria e festa.

Os elementos diretivos, diretor técnico ou outros a quem for atribuída a função de dirigir o grupo, devem ser pessoas de boa formação moral, de fácil comunicação e muito importante sejam bons condutores de homens.

A ESCOLHA DO DIRETOR TÉCNICO E AS SUAS FUNÇÕES

Num verdadeiro grupo de folclore não devem existir as pessoas que nós apelidamos de “ensaiadores de carreira”, porque pela sai atuação, inventando músicas, construindo as coreografias das danças, estes senhores têm sido diretamente os culpados pela adulteração e consequente destruição do nosso folclore.

Mas se eles existirem não se devem pôr imediatamente na rua. Deve-se dar a oportunidade de eles se reciclarem, para que possam entender o folclore como ele deve ser entendido, isto é, pelo respeito por tudo aquilo que tenha sido objeto de recolha e esteja relacionado com o nosso povo.

Mas, ao optarem por um processo de reciclagem, deve a direção, numa reunião convocada para o efeito, dar-lhe a conhecer mais pormenorizadamente os objetivos a seguir pelo grupo e fazer-lhe sentir que tem de haver uma perfeita sintonia entre ele, direção e o grupo. Deverá também participar em cursos de formação de dirigentes, encontros de folcloristas ou outros em que a sua presença seja necessária para uma melhor compreensão e atualização dos conhecimentos adquiridos.

No folclore nada se inventa, tudo se recolhe.

A direção, ao fazer a escolha do diretor técnico, deve ter em conta diversos aspetos: não só as suas qualidades morais, a sua competência para o cargo, mas também o seu bom relacionamento com os outros elementos do Grupo.

Para uma melhor execução do trabalho que lhe cabe na realização dos objetivos propostos pelo grupo, deve o diretor técnico estar em permanente contacto com a comissão de recolhas ou até mesmo dela fazer parte.

É no regulamento interno do grupo que devem estar definidas as atribuições do diretor técnico dentro da organização interna do grupo. No Grupo Folclórico Cancioneiro de Cantanhede o diretor técnico tem, entre outras, as seguintes funções:

  • Preparação técnica dos componentes.

  • Organização dos programas para espetáculos.

  • Estabelecimento da disciplina em ensaios e atuações.

  • Proceder à seleção de elementos e pares para cada dança, tendo em atenção as qualidades de cada um e simultaneamente os interesses do grupo.

  • Submeter a um período experimental todo o candidato a componente e posteriormente dar parecer final sob o mesmo, que será submetido à ratificação da Direção.

  • Escolher de entre os elementos masculinos, os necessários para exercerem a função de mandadores das danças que obrigatoriamente e tradicionalmente são mandadas.

  • Dar parecer sobre todas as recolhas que venham a ser efetuadas nomeadamente sobre aquelas que venham a ter uma função ativa na grupo, como danças, trajes, cantares, símbolos e outros.

Para um diretor técnico não poderão existir no grupo figuras de primeiro ou segundo plano, para ele todos são iguais e peças fundamentais para o trabalho a desenvolver.

No âmbito da preparação técnica dos componentes, deverá o diretor técnico dar real importância à coordenação, interligação e conhecimento dos pares. Quantas vezes numa atuação, um dos elementos que forma o par, por qualquer motivo se engana,  e devido à sua perfeita coordenação e ao seu conhecimento, bastará do outro, apenas um pequeno e discreto “toque” para que tudo volte ao sítio.

ORGANIZAÇÃO DE UM ENSAIO

Na base de uma boa organização dos ensaios, está o perfeito cumprimento dos horários previamente estabelecidos e da disciplina. Nestes campos, o regulamente interno do grupo deve ser rigoroso, estabelecendo limites e um esquema de sanções a aplicar em casos de indisciplina. É importante que através desse regulamento interno se possa saber reconhecer os esforçados e punir os faltosos.

É conveniente existir um livro de ponto, cuja assinatura deverá ser feita durante um tempo estabelecido pela direção, de acordo com a hora marcada para o ensaio. Para além das assinaturas de presença, nele deverão ser escrituradas as faltas justificadas ou não e ainda o tema que foi apresentado no início desse ensaio.

Para um bom aproveitamento de um ensaio, ele deve ser bem estruturado, não descurando nenhum aspeto.

Podemos começar o ensaio pela já falada aula de folclore. Numa primeira fase, os temas serão desenvolvidos pelos responsáveis do grupo, mas mais tarde, em ensaios futuros eles poderão ser atribuídos aos componentes para que sejam eles próprios a desenvolvê-los, e assim, a direção fazer se o desejar, uma avaliação dos conhecimentos por eles adquiridos.

Aqui, além de outros aspetos, será importante que todos os componentes saibam o que trajam e porque trajam. Numa deslocação, ao serem questionados sobre o seu traje, eles devem sabê-lo explicar o mais simples e corretamente possível, sem terem necessidade de, para o efeito recorrer à ajuda dos responsáveis do grupo.

Depois da aula de folclore, segue-se o ensaio propriamente dito. Nele, deverá ter lugar a revisão das danças anteriormente aprendidas, a reconstituição de novos motivos, quando os haja, e paralelamente fazer-se o ensaio da tocata e dos cantares, sejam eles a solo ou a coro.

A sequência dos ensaios deve ser perfeita, sem tempos mortos , porque se os houver, poderão contribuir para que o mesmo não corra da melhor maneira e não se obtenha o resultado dele esperado, criando também o alheamento dos componentes a tudo que se passa nesse ensaio.

No caso da reconstituição de novos motivos, anteriormente recolhidos, tem a comissão de recolhas um papel muito importante, porque só quem aprende pode ensinar. Sendo assim, serão eles os primeiros a explicar e a executar o desenho da dança para que os outros possam saber como se faz, sem esquecer todos os outros motivos que estiveram à sua volta.

Uma das funções do diretor técnico dentro de um ensaio é, sem adulterar, corrigir algumas posições do corpo, corrigir a colocação dos pares na roda com um único objetivo: valorizar esteticamente a dança.

Por último, o ensaio deverá ter um pequeno intervalo para que os componentes possam descansar, beber qualquer coisa ou simplesmente trocar entre si dois dedos de conversa.

ASPETOS SOCIAIS DO ENSAIO

Neste ponto é fundamental o trato personalizado – conhecer o nome das pessoas – já que toda s gente gosta qua tratem pelo seu próprio nome.

O espírito de grupo, normalmente sai reforçado se, uma direção não esquecer as datas de aniversário dos seus elementos e promover a nível do ensaio uma pequena festa cantando um simples “parabéns a você”. Consegue-se uma alegria contagiante que cala bem fundo na pessoa homenageada. Do mesmo modo, em determinadas ocasiões do ano, deverá a direção promover determinados convívios, como por exemplo uma castanhada.

É também no ensaio, que em vésperas das deslocações, se faz a sua programação em termos sócios-culturais. Anuncia-se o lugar a visitar e também os aspetos mais relevantes da região para onde vamos.

CONCLUSÃO

Nenhum grupo é perfeito. Embora todos devam procurar a perfeição.

De maneira nenhuma pretendo com este trabalho dar receitas a ninguém, pois cada um sabe as linhas com que se cose. No entanto, procurei demonstrar-vos aquilo que eu, como diretor técnico do Grupo Folclórico Cancioneiro de Cantanhede, e nunca abdicando do trabalho de equipa, tento por em prática, reconhecendo nesta tentativa por vezes algumas dificuldades.

Trabalho apresentado por:

Carlos Mendes – Diretor Técnico do GFCC no

VII Encontro Regional de Folcloristas em 13 de Abril de 1997

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